Ao entrarmos em uma casa de fazenda, daquelas do interior de São Paulo ou Minas Gerais, construídas no período colonial ou até mesmo aquelas do final do século 19, sentimos uma agradável sensação de acolhimento. Tal fato se deve não somente pelo eco nostálgico presente no nosso subconsciente mas, principalmente, pela sólida e consistente qualidade da Arquitetura. Uma arquitetura de paredes grossas, tetos altos e fartas aberturas, com beirais e varandas pronunciados, jardins e pátios internos. Estas casas foram construídas em uma época em que não existia a figura formal do arquiteto e nem tão pouco, recursos tecnológicos de climatização. A excelência na arte de se construir casas era transmitida através das gerações a partir dos ensinamentos dos mestres artesãos aos seus aprendizes. Mas, o que há de especial que fez com que este tipo de construção permaneça emanando sensações de conforto para pessoas tão distantes no tempo e na dimensão cultural?
A resposta é que os antigos construíam o que hoje chamamos de Arquitetura Bioclimática.
Uma construção bioclimática é aquela capaz de suprir as necessidades básicas de conforto de seus usuários utilizando apenas os recursos da própria arquitetura tais como a orientação, tamanho das aberturas, materiais construtivos, cores, altura do pé-direito e principalmente a presença ou ausência dos elementos como o sol e vento e também da utilização da vegetação. Analisando a própria formação da palavra encontramos a real dimensão do conceito: bioclimático é formado pela palavra bio que denota biologia, ou seja, a nossa biologia ou as nossas necessidades biológicas ao nível do metabolismo do corpo humano. A palavra climático, referencia o clima em questão. Assim, a arquitetura é o elo que une as necessidades humanas às condicionantes do clima no qual a edificação é erguida.
Analisando cuidadosamente o conteúdo destes postulados nos vem uma pergunta natural: porquê conceitos tão lógicos se perderam no tempo e hoje nossas construções se afastaram drasticamente destes princípios básicos?
Inúmeras razões históricas podem ser apontadas para esta distorção mas sem dúvida uma das principais é o fato dos arquitetos contemporâneos serem treinados nas faculdades a resolver somente os problemas formais (estética, formas, acabamentos, detalhes construtivos) e funcionais (dimensão e funcionabilidade dos espaços) das construções dando pouco valor os preceitos bioclimáticos como ventilação e iluminação naturais.
Outra razão clara é a enorme disponibilidade em tecnologia de equipamentos a disposição das habitações em geral. Muitos destes equipamentos que deveriam ser usados para garantir conforto em condições extremas acabam sendo usados para corrigir os próprios defeitos de uma arquitetura mal elaborada. Um exemplo claro são os equipamentos de climatização que, na maioria das vezes, funcionam em períodos do dia em que não seriam necessários em edificações planejadas bioclimaticamente.
Hoje em dia se fala muito em edifícios inteligentes. A verdade é que muitos destes edifícios não merecem a alcunha porque, no fundo, nasceram “burros”. A verdadeira inteligência de um edifício reflete a maneira com que sua arquitetura foi concebida não só pela beleza estética e pela funcionabilidade dos espaços, mas principalmente pela sua eficiência energética e pelo conforto que transmite aos seus ocupantes.
Os equipamentos e recursos tecnológicos são imprescindíveis e hoje não podemos mais abrir mão de uma gama maravilhosa de recursos à disposição do arquiteto. No entanto, a tecnologia dos equipamentos deve estar obrigatoriamente conectada ao conceito original da arquitetura do edifício ao nível de todas as dimensões bioclimáticas, estéticas e funcionais, de maneira que o conjunto pareça, na verdade, um bloco coeso e harmonioso. Tal qual um concerto reunindo três grandes tenores em que não se distinguem as vozes individuais mas, o conjunto, é algo comprovadamente fenomenal.
Arquiteto Mário Hermes Stanziona Viggiano